“Até os primeiros dias de março de 1964, nos meios de comunicação em geral e nos jornais, em particular, não havia unanimidade sobre o governo Goulart. Embora em muitos estudos o conjunto da imprensa brasileira seja apresentado em uma postura de sistemática oposição a Jango, uma pesquisa mais atenta conduz a conclusão diversa (…). O mês de março de 1964, portanto, é um momento crucial na trajetória do governo Goulart. Ele pode ser visto como ponto de inflexão, que acaba com a incerteza reinante, conduzindo variados grupos sociais a uma posição de veto a Goulart. Quer dizer, o governo, nesse mês, consegue por razões diversas, entre as quais a ameaça comunista é o destaque, que setores militares e civis, quer os que já estavam conspirando, quer os que não o faziam, se posicionem de forma radical contra o presidente. Uma mudança que deve ser bem entendida, pois, mesmo não surpreendendo, ganha força de maneira rápida e dramática, tendo desdobramento para a maneira como o golpe acaba ocorrendo”. [1]
O mês é o mesmo, 52 anos depois, com algumas mudanças pontuais, a história tende a se repetir. Como já profetizou Karl Marx, “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Em 1964, apoiado pela classe média/alta, pela maioria da mídia e, até mesmo, pelos que se diziam democratas, os militares, através do golpe, depuseram o presidente João Goulart pondo fim ao regime democrático e instituíram a ditadura militar no Brasil.
Não se pode olvidar que “o Poder Legislativo foi partícipe do golpe, desempenhando função estratégica, inclusive em termos de relações internacionais”. De igual modo, afirma Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes, “o presidente do Supremo Tribunal Federal, Álvaro Ribeiro da Costa, não questionou, em nenhum aspecto, a atuação do presidente do Senado, no mínimo muito rápida, pois se sabia que Jango estava no Brasil (…). Álvaro Ribeiro da Costa agiu como se o estabelecimento de um novo governo estivesse dentro da maior legalidade (…)”. [2]
“Todos tiveram responsabilidade no desastre”, observa Flávio Tavares, “não só os militares que deram o golpe ou os políticos que os induziram a golpear. O setor político como um todo, o Parlamento – expressão desse setor político – não se comportou muito diferente do pessoal da farda”. [3]
Hoje o golpe não vem das casernas: as forças armadas foram substituídas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Os generais de ontem são os juízes de hoje, utilizam a caneta como arma para dar uma aparência de legalidade à violência estatal. As decisões judiciais matam pouco a pouco ou de uma só vez. O Estado policial deixou de atuar camufladamente, hoje à luz do dia, com os holofotes da mídia, as prisões fazem parte do show no processo penal do espetáculo. Tudo, evidentemente, com o apoio de uma oposição irresponsável e leviana que jamais se conformou com sua derrota nas urnas em eleições livres e democráticas.
Em nome de um ilusório combate à criminalidade, à violência e, agora, à corrupção, o Estado penal atropela todos os princípios fundamentais, assola a Constituição da República, exaltando a teoria de que os fins justificam os meios.
Com “eficientismo” ou “funcionalismo” se designam formas de perversão do direito penal. O eficientismo, assevera Alessandro Baratta, “é uma nova forma de direito penal da emergência, que é a doença crônica que sempre molestou a vida do direito penal moderno”. Segundo, ainda, o saudoso criminólogo, “o eficientismo penal tenta tornar mais eficaz e mais rápida a resposta penal, inclusive renunciando ao respeito às garantias substanciais e processuais, definidas na tradição do direito penal liberal, pelas Constituições e convenções internacionais”. [4]
O constitucionalista Pedro Serrano refere-se à “política do bode expiatório”, como mecanismo não republicano que “consiste em se escolher, periodicamente, uma pessoa ou grupo específico de pessoas físicas ou jurídicas para ser o depositório de todas as culpas, te toda a corrupção que assola a sociedade”.[5]
Assim como em 1964, hoje, e, principalmente, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tivemos um governo popular e democrático. Um governo que governou para os mais pobres e vulneráveis. Um governo verdadeiramente do povo brasileiro.
Muitos se regozijem dizendo que as instituições estão funcionando. Mas, na verdade, o que está funcionando e atuando a pleno vapor é a locomotiva fascista do Estado penal. Infelizmente, vivemos “tempos sombrios” (Hannah Arendt), a Polícia Federal se transformou em polícia política nos moldes das polícias nazifascistas.
Como observa o filósofo e ensaísta alemão Anselm Jappe, “a violência é o núcleo do Estado, e sempre foi. Nesses tempos de crise, o Estado se transforma de novo no que foi historicamente em seus primórdios: um bando armado. As milícias se tornam policiais ‘regulares’ em numerosas regiões do mundo, as polícias se tornam milícias e bandos armados. Por trás de toda retórica sobre o Estado e seu papel civilizador, há sempre, em última análise, alguém que esmaga a cabeça de outro ser humano, ou que pelo menos tem a possibilidade de fazê-lo. As funções e o funcionamento do Estado variaram muito na história, mas o exercício da violência é seu denominador comum”.[6]
O dia 04 de março de 2016 ficará marcado na história do Brasil pelo dia em que agentes do Estado penal sequestraram o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Ficará marcado pelo dia em que o golpe começa a se materializar, apoiado por setores fascistas e autoritários da sociedade, por uma oposição desatinada e inconformada com a derrota nas urnas, pelo braço armado do Estado penal (Polícia Federal e o Ministério Público) e por setores do Poder Judiciário que se omitem em relação às arbitrariedades que vem sendo cometidas em nome do combate à criminalidade.
Contudo, no futuro a história se encarregará de separar o joio do trigo e os fascistas dos democratas. Os que defenderam o Estado de direito e os que o negaram. Lula, tenha a certeza de que a história o absolverá!
Fonte: Justificando.com